8 de maio de 2009

No pano verde

Lembro de uma vez, meu pai no bar, que sempre frequentava, bebendo, bebendo, até ficar mais que bebado, e eu, pequeno, dez anos no máximo, tendo que conviver com aqueles velhos bêbados rindo, e eu não sabia direito do que, e aquele banheiro imundo, e eu pensando que era assim mesmo, não tinha como limpar melhor. Lembro que fiquei muito encabulado, ficava horas ensaiando pra pedir um chocolatinho. Krot é bom, dizia Milton, o dono, ou algo parecido, do bar. Aí meu pai, com cara de quem estava prestando um grande favor para mim, comprava o chocolate que, por pequeno que fosse, tanto eu quanto o chocolate, me dava uma sensação muito boa de felicidade, em meio àqueles homens velhos rindo, bebados, já perto da noite.

Hoje não lembro mais, direito, da angústia de ficar esperando meu pai, eu simplesmente ficava lá, vagamente existia por horas, as vezes uma tarde inteira, não fazendo nada, olhando as árvores, lembro nitidamente delas, cinamomos imensos, e um gramadinho verde, com algumas embalagens vazias de bala, muitos tocos de cigarro, ou uma ou outra lata vazia de refrigerante. Ah sim, muitas tampas de garrafa.

Havia vezes que eu jogava sinuca com meu pai, mas lembro que foram poucas vezes. Sempre que eu tinha chance, isso mais no final da tarde, a mesa de sinuca ficava desocupada, e eu brincava com as bolas, jogando pra lá e pra cá no pano verde. Isso me deixava encantado, mas logo, de alguma forma, lembrava que não devia estar ali, não devia estar assim, perdendo tempo, uma criança da minha idade, não mais que dez anos, sozinha, tendo que brincar com seus próprios pensamentos e seres mágicos inventados, que ainda de vez em quando aparecem, muitos deles com outros nomes. Fico quase feliz, sabendo que eles lembram de mim.

2 comentários:

Rafaela disse...

É inspirador conhecer as percepções, as realidades, "o universo de cada um". Com o tempo a gente vai aprendendo a reconhecer as falhas e incapacidades das pessoas. O pior é quando isso se verifica justamente em quem deveria nos amar, nos proteger, nos ensinar. Fica um buraco no peito. Um "não saber" como agir. Nesses casos resta dois caminhos: da sensibilidade ou da agressividade. Tu, assim como eu, escolheu a primeira alternativa. Que bom. Abraço.

Cláudia Erthal disse...

Esse texto me fez chorar!!! Não faz assim comigo, lembrei de um montão de coisas..., talvez as sensações que vc teve naquela época foram as mesmas ou semelhantes as minhas..., agora vou ter que ir para casa, porque chorar aqui eh muito constrangedor!!! Te amo!!!