2 de outubro de 2009

Texto fresquinho

O gato dorme aqui ao meu lado na cama, recém lavado, me observando com uma placidez que não lhe é comum, conjugada com minha inquietude interior transbordando pelas mãos e olhos inquietos que não cansam e não conseguem decidir quê livro ler.

Não quero autobiografias com nomes transformados em romances dolorosos e cansativos sobre aquela mesma mulher carioca de sempre; me impressiono com a capacidade de pretensa produção intelectual que um mero e reles bonde, um bonde, meu Deus!, pode incutir nessa maldita mulher a vagar na florida década de setenta. O quê há de tão poético no Rio de Janeiro em plena ditadura? Cursos de datilografia com luvas de crochê amarelas? Me parecem mais rebuscadas maneiras de amenear a pudica sensação que essa mulher, tão chata e tão a frente de seu tempo imaginário tem ao rasgar e queimar o sutiã. Me desespero com a dimensão do contrasenso dessa obscura, magra e tão comum mulherzinha que mal suporto imaginá-la com sua bolsa confeccionada em crochê de linha cintilante e áspera. É tão profundo meu desassossego e estado calamitoso de alma ao lembrar que tal ora rapariga, apenas por ter nascido com parteira improvisada, pensa que merece minha atenção, agora, justo agora que me encontro tão tenso, agitado e cansado, enquanto o gato tão silencioso e comportado; até estranho que esteja apenas lambendo a cauda, gesto este que certamente é análogo àquela estúpida mulherzinha que, futilmente satisfeita por estar cansada, no seu vazio, escova os cabelos longos e negros antes de deitar. Francamente!

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