9 de maio de 2014

Uma conversa

Claro que sei que devem estar comentando lá na vila que eu nunca apareço para visitar meus pais, ou meus tios que perderam um filho (recentemente, mas essa palavra é desnecessária para quando se perde um filho, ainda mais da maneira trágica como foi quando ele morreu naquele acidente)! Há tantas pessoas, parentes próximos e distantes (filogenetica e geografica e afetivamente falando) que eu gostaria de ver, falar, contar como minha vida tem sido cheia de surpresas boas e ruins, esperanças tolas e fatos impensáveis. Porquê vim pra tão longe pra, again and again, perceber que não há a menor chance de eu fugir daquilo que mais temo - meu próprio lado sombrio e as mentiras que conto pra pra mim mesmo e que finjo acreditar?! Por quê?
Naturalmente que, algumas vezes pelo menos, eu realizo que quando eu quero carinho e proteção, e quando me sinto oprimido e desprotegido, sou eu mesmo que fico me infligindo dor, sofrimento, angústia e cobranças desmedidas. Não consigo entender (é sério, não consigo, não consigooooo) buscar explicações para tanto sofrer com o "quase", o "por pouco", o "se"... Até parece que minha vida só teve derrotas! Olha só pra onde estou?! Certamente, não sou derrotado, já cheguei mais longe do que eu planejava, e ainda não é nem o começo! Pra quem estou devendo todas essas explicações que eu fico tentando o tempo todo fazer com que embacem minha vista para a frente e para cima? Para melhor? Não tenho nenhuma dívida! Mas por quê ainda assim me sinto tão cobrado?? Sou uma fraude? Falhei em dizer a verdade? É claro, como qualquer ser humano, eu minto, omito, desconverso e finjo. Mas quando falo a verdade sou tão franco! Não tenho medo algum de parecer fraco, me basta saber que não sou. Pois, se fosse, estaria eu lá, exatamente debaixo da saia da minha mãe, chorando quando ela não estivesse ao alcance da minha vista, e morrendo de medo da desaprovação que eu pensava (viu, pensava) que via no rosto do meu pai. (Detalhe: saia da minha mãe é força de expressão - não vem à memória a última vez que ela usou alguma).
Sei lá... Aquelas boas e poucas amizades que conquistei, verdadeiros achados de humanidade, na escola, na faculdade, logo depois de formado, sabe...? Deixei, por puro desleixo, irem embora, pra longe, pra não-sei-aonde. Não que eu tenha esquecido como é sentir o coração aquecido ao lado destas poucas e certas pessoas. Claro que não; lembro exatamente de cada um dos abraços, de cada um daquelas pessoas, que me fizeram sentir a melhor pessoa do mundo. (Impossível não deixar correr várias lágrimas. Peraí...). Ok. Não, espera só mais um pouquinho, senão minha voz embargada não vai deixar eu chegar no quê de tudo que estou enrolando para dizer...
Acho que tudo isso é saudade. Essa palavra... Saudade de todos que me fizeram sentir bem e que eu poderia ter valorizado ainda mais. Só não lamento mais porque sempre fiz questão de dizer o que eu estava sentindo, sem medo de parecer piegas. E, eu não era piegas! Essas pessoas de quem estou falando, todas elas, tenho certeza que sabem que sinto uma falta tão grande, tão grande! Por um lado, sempre fui intenso, fazia questão de sentir toda a dor e toda a felicidade que cada momento pudesse oferecer. Mas em algum momento parece que rompeu um cabo, um sustento, o que me fez, sei lá, vestir uma couraça, uma defesa. Ando me sentindo meio chapado, anestesiado, tanto do que é ruim, quanto do que é bom. (Falando nisso, vou ali servir um pouco de uísque, já venho...).
...
O quê? Ah, não, não, não tem efeito colateral nenhum. O médico disse que esses remédios não tem nenhuma contra-indicação, pelo menos não com álcool. Óbvio, ele mesmo disse: "Se você não usar outras drogas, e tomar o remédio nos horários, não vai morrer. Pelo menos, não disso." É sério, eu li na internet, não tem interação nenhuma entre álcool e esses remédios. Ah, não faz essa cara! Até parece que tu não sabe que na Califórnia a maconha é um remédio (sim, remédio!) pra dor crônica! Tudo bem, não vou me mudar pra lá por causa disso, mas, eu acho que as pessoas tem um preconceito cultural muito enraizado para com certos remédios, certas doenças, e certas drogas também. Provavelmente a maioria delas: a maioria das pessoas, das culturas, das raízes, dos remédios, das doenças e das drogas.
Aliás, se tem uma característica fundamental em todas as culturas humanas de todos os tempos, é o preconceito. Hoje, é preconceito por cor de pele, etnia, religião, status social, renda; antigamente..., bem, antigamente também. Não mudou nada. Os critérios para o preconceito, hoje, apenas são mais complexos. "Se você é de esquerda, então é vegetariano maconheiro. Se é de direita, é neonazista neoliberal que só pensa em lucro." Ora, isso lá tem sentido? As pessoas são livres, não é o que dizem? Sou tão livre para acreditar no que eu quiser, quanto sou livre para fazer pouco caso daquilo que você acredita. Hã? Claro que faz sentido. Ser livre não significa ser politicamente correto. Não sou obrigado a achar o feio bonito, o torto, reto! Oras! Desculpa, 'tergiversei'.
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Como eu dizia, acho que eu me escondo. Não sei porque, não imagino o quê raios aconteceu pra eu me defender assim do mundo; nunca fui assim. Não quero botar a culpa nos outros, mas acho que foi na mesma época que terminei aquele namoro, anos atrás. Lembra dele? Um cretino! (Eu sei que tu pensavas isso, acho até que tu falaste isso!) Mas, eu amava ele. Sinceramente. Via nele tudo que eu não tinha, tudo que me faltava. E acho que era, sim, recíproco. Tinha uma dualidade complementar, meio explosiva. Ok, bem explosiva. Pra bem e pra mal... Ele me fazia bem, mas também me fez muito mal. A coisa que mais me doeu, nessa vida, não foi o soco no lábio superior que ele me deu, no dia que terminamos. Foi antes disso, muitos meses antes, quando, por sei lá que motivo, ele brigou comigo, e jogou minhas roupas e minhas coisas escada abaixo. Me mandou embora. E eu, mesmo humilhado, insisti, insisti, insisti que amava ele, que queria ficar com ele... Hoje, me sinto um idiota lembrando disso, mas, eu lembro exatamente como eu me senti sozinho, desprotegido, desamparado, triste mesmo; não sabia se ficava ou se saía correndo, chorando. Não sabia pra quem pedir ajuda. E, tolo, pedi ajuda pra ele. Síndrome de Estocolmo, diriam... Talvez em parte tenha sido isso; acho que não são poucas as relações afetivas que tem essa relação feitor-escravo. Posso dizer, sim, que senti um dos meus cabos de sustentação romper naquele dia. E, daquele dia em diante, foi só ladeira abaixo, reconheço. Até o dia fatídico, lembro exatamente: 5 de Março, uma sexta-feira, meio fria, chuvosa. Nada poderia ter sido mais difícil. Agora, me deslocando no tempo e me colocando no meu lugar, naquele instante, sinto amargura. Pelo quê poderia ter sido, mas foi destruído, por ambos. O que era amor, provavelmente, virou outra coisa, mórbida, venenosa. E mais sustentáculos foram se rompendo. E, eu venho me defendendo. Me defendendo de mim mesmo, não queria me rebaixar, eu achava que não era da minha natureza, mas, hoje, acho que eu deveria ter revidado aquele soco. Deveríamos ter ido às vias de fato, sim! Os dois acabariam na delegacia, teria sido tudo muito terrível, mas hoje eu estaria dando risada, e não lamentando. Então... Acho que desde então estou me lamentando... Lambendo algumas velhas feridas imaginárias, ha muito cicatrizadas, que ainda doem como um membro amputado.

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